Olhar do Curador

Perante um excessivo fluxo de imagens que nos atinge diariamente, o que uma Mostra de cinema pode oferecer? Ou, se quisermos aprofundar, o que o cinema ainda pode oferecer aos que buscam pistas para enfrentar os dilemas da contemporaneidade?

  Essa inquietação percorre trilhas que confluem para o encontro entre ecos e promessas. De um lado, ecos das possibilidades que se inscrevem na História, com sombras e fantasmagorias que persistem em rondar a busca humana pela coexistência; e de outro lado, promessas de que as imagens possam ainda potencializar sociabilidades que inventem saídas para todas as formas de negação do Outro.
 

Ao percorrermos os sulcos da rica cinematografia dos países árabes, deparamo-nos com propostas estéticas capazes de alargar nossa sensibilidade perante um mundo que se faz cada vez mais complexo. Transitamos entre ritmos, gestos, sons e afetos de diversos países, que afirmam valores culturais de extrema sofisticação e projetam universos que merecem ser conhecidos pelo público brasileiro.
 

Após uma década de existência, a Mostra Mundo Árabe de Cinema segue formulando perguntas para as quais todas as respostas simples e precipitadas são pouco úteis. A escolha dos filmes, assim como a organização das atividades paralelas, orienta-se pela convicção de que esses cineastas e suas sociedades têm muito a nos dizer. Com sua arte, suas imagens e narrativas, desfazem os olhares calcificados por representações midiáticas estereotipadas que nos apresentam cotidianamente o diferente como ameaçador. Instiga-nos, portanto, pensar essa programação como um mosaico de obras e ideias capazes de abrir caminhos possíveis para o encontro do Brasil com o mundo árabe, tanto naquilo que nos aproxima, como nas trocas sobre aquilo que nos distancia.
 

Esse conjunto de imagens provenientes de diversos lugares, como Argélia, Marrocos, Líbano, Palestina, Iraque, Tunísia, entre outros, nos convida a habitarmos afetivamente uma ponte entre experiências e tradições, que os fluxos migratórios e o recente movimento de refugiados ajudam a construir.
 

A produção cinematográfica árabe contemporânea nos apresenta o entrelaçamento desafiador entre a crise de representação política e as representações políticas das crises, revelando que não existem saídas fáceis. As tensões dos indivíduos com a instituições sociais se expressam de muitas maneiras. Porém, onde as instituições parecem dar sinais de esgotamento, o cinema alimenta-se dos conflitos para sugerir novas rotas de escape, provocando-nos e desafiando nossa capacidade de encarar a instabilidade e fragilidade das respostas tradicionais. Escavando entre ruínas e escombros, recolhemos os fragmentos da memória, a fim de soldar um tempo sensível ao devir.
 

São 30 filmes, de variados formatos, gêneros e linguagens. Em cada filme, um convite para que mergulhemos e aprendamos com o estranhamento, tanto dos outros como de nós mesmos.
 

Geraldo Adriano Campos
Curador e diretor da Mostra Mundo Árabe de Cinema. Professor de Sociologia das Relações Internacionais da ESPM. Pesquisador da Cátedra Edward Said da Universidade Federal de São Paulo. Atualmente, é Curador Musical da Biblioteca Mário de Andrade. Doutorando em Filosofia Política na USP, com pesquisa sobre o cinema palestino contemporâneo. Foi Presidente do Júri do Festival Latino Árabe de Buenos Aires (2013) e integrante do Júri do Festival do Minuto (2015).